Associação dos Amigos dos Autistas promove importante debate na Câmara de Registro

por Pati — publicado 27/10/2017 16h17, última modificação 27/10/2017 16h17

Associação dos Amigos dos Autistas promove importante debate na Câmara de Registro

 

Ao ocupar a Tribuna Livre da Câmara Municipal de Registro, na última segunda-feira (23), Célia Haiek, diretora da AMAR (Associação dos Amigos dos Autistas) e mãe de um portador de TEA (Transtorno do Espectro Autista), emocionou e trouxe a conhecimento público mais informações sobre esse transtorno, que é pouco entendido pela maioria da população.

A convite do presidente da Câmara, vereador Marcelo Comeron (PV), a presidente da AMAR Elisandra Almeida e a diretora Célia Haiek trouxeram suas contribuições e solicitações para que as políticas públicas municipais para que os autistas e portadores de dislexia possam ter acesso aos seus direitos já garantidos por Lei.

 

DEPOIMENTO DA CÉLIA HAIEK:

“O autismo ou TEA (Transtorno do Espectro Autista) é uma condição da neurodiversidade humana, uma forma diferente do cérebro de processar informações. Esse transtorno interfere na maneira como o indivíduo interage com o ambiente e com o mundo, afetando a comunicação, a interação social e o comportamento.

A Organização mundial da Saúde (OMS) calcula que o autismo afeta uma em cada 160 crianças no mundo. Estima-se que existiam 70 milhões de autistas no mundo e dois milhões apenas no Brasil.

O autismo é um espectro. Vão existir aqueles autistas que vão precisar de ajuda pelo resto da vida, que têm problemas motores e usam fraldas quando adultas, até aqueles que têm dificuldades de interação, de socialização, fazem faculdade, formam famílias.

É espectro, lembra?

 

A LEI BERENICE PIANA – LEI 12764/12

A Lei nº 12764 institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e prevê a participação da comunidade na formulação das políticas públicas voltadas para os autistas, além da implantação, acompanhamento e avaliação da mesma. Com a Lei, fica assegurado o acesso a ações e serviços de saúde, incluindo: o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional, a nutrição adequada e a terapia nutricional, os medicamentos e as informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento. Da mesma forma, a pessoa com autismo terá assegurado o acesso à educação e ao ensino profissionalizante, à moradia, ao mercado de trabalho e à previdência e assistência social.

No seu artigo 1º, §2º, deixou claro que o indivíduo diagnosticado no espectro autista é considerado pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.

Berenice Piana é mãe de três filhos, e sua luta por políticas públicas que favorecem os autistas se deu quando seu filho caçula, Dayan foi diagnosticado autista.

Mas, apesar da Lei, a realidade que encontramos é outra. Ainda há resistência, e quando não há, é o diagnostico que choca.

 

DIAGNÓSTICO

A busca pelo diagnóstico precoce é uma preocupação constante. Quanto mais cedo forem iniciadas as terapias, mais chances o autista terá de superar as dificuldades. Porém, uma vez diagnosticado autista, o paciente e sua família enfrentam mais uma barreira: a busca pelo tratamento. As dificuldades residem, sobretudo, na falta de profissionais preparados para lidar com o transtorno, sobretudo na rede pública.      

O diagnóstico traz o choque, o choque traz o medo.

O autismo nos tira da zona de conforto. O autismo chega e nos diz: “Você era feliz e não sabia! Vim te desestruturar! Vai encarar?”

Ai, a gente descobre que o amor é mais forte do que o susto. E encarar passa a ser nossa única opção. Encarar é ir a luta por apoio. É buscar as terapias: psiquiatra, neuropediatra, psicopedagoga, fonoaudióloga, psicóloga, musicoterapeuta, equterapia, terapeuta ocupacional. Através do apoio correto e precoce é possível buscar a superação dos quadros graves do autismo.

 

CARACTERÍSTICA: SOBRECARGA SENSORIAL/HIPERSENSIBILIDADE/ HIPOSENSIBILIDADE

Vou falar um pouco sobre a sobrecarga sensorial. Nossos filhos têm o que chamamos de hipersensibilidade sensorial. Alguns estímulos recebidos, os quais para nós não causa efeito algum, recebidos pelos autistas significa uma sobrecarga sensorial extrema e de grande sofrimento. Em alguns casos, nossos filhos escutam todos os sons ambientais (vozes, cadeiras arrastando, passos. Já notaram as mãozinhas nos ouvidos em algumas festas infantis e suas feições de sofrimento?). no caso dos alimentos, essa hipersensibilidade sensorial pode levar/ causar a intolerância e a seletividade alimentar. A textura, gosto, cor, cheiros dos alimentos faz surgir autistas que comem alimentos apenas da cor amarela, ou com consistência pastosa. Ou coma apenas líquidos.

Enfatizo: nunca é, nunca será frescura; nunca é, nem nunca será falta de educação; é sofrimento, é sofrimento causado por sobrecarga de estímulos. Verdadeiramente e comprovadamente eles sofrem.

 

UMA HISTÓRIA REAL

Sou mãe da Sarah, do Guilherme e do Henrique, com 29, 27 e 21 anos. Por volta dos dois aninhos, e vendo que a fala não vinha, começamos uma romaria com o Guilherme. Otorrino, neurologista.  Em casa tínhamos um bebê que tirou as fraldas sozinho, preparava o leite e o suco de uva. Nas consultas no neurologista, o Gui fazia uma trilha com as fitas cassete. Um dia o neuro nos disse que ele fazia sempre na mesma ordem, desde a primeira vez que foi na consulta. Um dia, esse neuro e sua esposa, psicoterapeuta fecharam um diagnóstico: o Guilherme era psicótico, poderia se transformar num psicopata. Saímos transtornados e procuramos o Doutor Haim Grispu, um excelente psiquiatra infantil de São Paulo. O diagnóstico de autismo leve e Asperger foi fechado. A partir do diagnóstico, tem início a correria pelos próximos 15 anos: consultas mensais com o psiquiatra, apoio psicológico e fono até adolescência. A fala veio com quase seis anos. Até então, silêncio total. Não olhava nos olhos sempre cantarolou. Entro na escolinha com dois anos e oito meses. Teve pouquíssimos amiguinhos e o melhor e único amigo foi embora da cidade quando tinha 10 anos. Para complicar, por volta dos 6, 7 anos, aquele menino forte e saudável foi parando de comer. Vomitava todo tipo de alimento. Ficou restrito ao leite, durante meses, não colocou um único alimento sólido para dentro do corpo. Agora, tudo mais ou menos normal com a alimentação. Bem, na escola, ficava muito fora da sala, não socializava. O pior período na escola foi com a idade de 10, 11 anos. Essa parte não gosto de lembrar. Bem no rendimento escolar, não conseguia interpretar textos. Essa fase foi da segunda série até a sétima mais ou menos. Nessa fase eu lia para ele e passei a interpretar (sim, como uma atriz). E acho que chamei sua atenção. A partir daí, todos os anos, até o final do ensino médio, ele prestou prova da bolsa e obtinha os primeiros lugares. A memória fantástica ajudou muito. Hoje, ele tem 27 anos, e ano passado formou-se em matemática aplicada na USP ribeirão Preto, após transferência do curso de computação da UFSCar. Morou sozinho. Ele é feliz? Ele diz que sim. Ele é disciplinado. Adora uma rotina. É sistemático. Dorme sempre ... sempre no mesmo horário. Tem manias. Vem para sala quando começa o Jornal Nacional. Sai da sala como começa a novela das nove. Todos os dias antes de dormir me dá uma boa noite, acompanhado de dois beijos no alto da minha cabeça. O que eu e o pai queremos para Gui? Que seja feliz e que tenha independência.

 

OUTRA HISTÓRIA

Há pelo menos quase 25 anos, nossa vida virou de cabeça para baixo com o diagnóstico de TEA (na época Asperger foi o diagnóstico). Queríamos preparar o Gui para uma vida de autonomia e independência. A primeira parte creio que conseguimos. Ele morou fora de casa, quase oito anos. Estudou 18 meses na UFSCAR. Odiou cada dia, odiou a quitinete e a universidade. Aí, um dia, disse que traçaria matrícula, voltou para Ribeirão Preto (minha filha estava terminando medicina), prestou prova de equivalência e transferiu para o curso de matemática aplicada. Então ele morou a 530 km de casa. Meu marido quase surtava de ansiedade e preocupação a cada ida dele para Ribeirão (eram quatro horas de ônibus da nossa cidade, chegar na Barra Funda em São Paulo, pegar metrô para a rodoviária do Tietê e seguir por mais cinco horas para Ribeirão. Imagina. Ele aprendeu, memorizou. O problema era que aos poucos ele decorou os horários dos ônibus, e como queria pegar o mais rápido possível, saía do metrô e corria para comprar passagem. Meu marido viu que ele fazia isso, e não teve quem mudasse. Sobre a interação social: um ou outro amigo(a) bondoso(a), o Gui segue feliz na família. Ama minha mãe. Não tem amigos. Na faculdade, fazia os trabalhos em grupo, mas não construiu relações de amizade. Ele tirou carteira de motorista. É um motorista cuidadosos. Quando pega o carro (sempre com alguém) vou conversando sobre inúmeras possibilidades de motoristas malucos e imprevisíveis. Se a autonomia chegou, agora vamos buscar a independência financeira (um dia ainda vou escrever sobre isso).

 

FINAL

Li em algum lugar que uma mãe mandou uma carta para os pais dos coleguinhas de seu filho, explicando o autismo e o motivo de algumas atitudes diferentes. Na carta, ela enaltece a importância dos filhos deles na vida de seu filho. E que eles vão ensinar muitas coisas a ele. E juntos, podem mudar o mundo preconceituoso em que vivemos. Nem sempre é preconceito. As pessoas precisam de informações.”